Hoje falaremos sobre o Informativo nº 395 do Tribunal de Contas da União-TCU que destaca o julgamento realizado pela Segunda Câmara, que deu origem ao Acórdão 7164/2020. Trata-se de valioso julgado no que se refere à licitação cujo objeto pretende a contratação de empresa para a prestação de serviços continuados que, em regra, geram a expectativa de serem prorrogados por até 05 (cinco) anos – art. 57, II, da Lei 8.666/93 e art. 71, da Lei 13.303/16.

A Corte de Contas teve a oportunidade de apreciar representação formulada por sociedade empresária que questionou o requisito trazido no edital do Pregão Eletrônico 55/2019 realizado pela Fundação Universidade da Amazônia para a “serviços de higienização e limpeza hospitalar, com a mão de obra exclusiva para atender às necessidades do Hospital Universitário Getúlio Vargas (HUGV)”.

A irresignação da empresa representante se fundou no fato de o edital exigir, como critério para a comprovação da capacidade técnica-operacional, a execução pretérita de atividade similar pelo prazo mínimo de 03 (três) anos. A representação, por sua vez, foi apresentada após o encerramento do certame, com a inabilitação de 02 (duas) empresas, dentre elas a Representante que foi inabilitada pelo não atendimento a esse prazo mínimo.

Se, do ponto de vista objetivo, a empresa não atendida à exigência posta no edital deveria tê-lo impugnado por instrumento administrativo próprio – Impugnação ao Edital – e, em caso negativo, ainda teria chances de submeter a questão ao controle jurisdicional, seja por meio de Representação, seja por meio de ação própria perante o Poder Judiciário. O intuito, aqui, seria o de alterar a exigência do edital de modo a possibilitar a participação plena da licitante prejudicada sob o fundamento central da ampliação do universo de competidores. Mas por que a limitação do prazo mínimo de 03 (três) anos de comprovada experiência seria um limitador?

A esse respeito o TCU, ao prolatar o Acórdão 2870/2018-Plenário deixou “assente que essa exigência deveria estar devidamente fundamentada a partir de estudos prévios à licitação e da experiência pretérita da instituição contratante, que indicassem ser esse lapso indispensável para assegurar a prestação dos serviços em conformidade com as necessidades específicas da instituição, por força da essencialidade, dos quantitativos, do risco e da complexidade.” (citação do Informativo 395). Ou seja, para que a exigência do prazo mínimo de 03 (três) anos seja aceita, o órgão licitante DEVERÁ justificar o motivo que o leva a requerer a comprovação desse prazo no momento da habilitação no certame. Esse foi o entendimento dado pelo TCU em relação aos itens 10.6. b e 10.6.1. do Anexo VII-A da IN nº 05/2017 do MPOG.

Ou seja, a Representante tinha fortes elementos que lhe possibilitariam a alteração da exigência do Edital antes da abertura do certame. Ao não optar por esse caminho a empresa deu azo à possibilidade de ser inabilitada, como ocorreu no caso em análise.

Aí se pergunta: mesmo o certame ocorrendo com essa exigência, poderá eventual inabilitação com tal fundamento ser discutida futuramente, perante o TCU ou a Justiça Federal, ante o nítido vício de legalidade? Sim. Então, a demanda ingressada após a realização do certame terá o mesmo resultado da que poderia ter sido apresentada antes de sua realização? Nesse caso, a resposta será não.

A unidade técnica que analisou a representação em comento consignou a existência da irregularidade, bem como que a proposta da primeira empresa inabilitada teria sido 14,29% mais vantajosa do que a proposta vencedora, e que a proposta da segunda inabilitada teria, por sua vez, sido 1,62% mais baixa, ou seja, propostas financeiramente mais vantajosas foram descartadas pela Administração. Porém, a unidade propôs que o certame não fosse anulado e que não houvesse restrições à prorrogação do contrato firmado com a empresa que se sagrou vencedora, pois:

(i) o objeto licitado compreenderia a prestação de serviço essencial ao funcionamento das atividades da instituição;

(ii) o resultado do certame, sem a referida exigência, tenderia a também ter resultado na inabilitação daquelas duas 2 empresas;

(iii) a aludida exigência para a qualificação técnico-operacional em prol da contratação do serviço continuado estaria indicada no Anexo VII – A (item 10.6, “b”) da IN nº 5, de 2017, do então Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão; e

(iv) a jurisprudência do TCU teria sido recentemente firmada, a partir de 2018.

Na prática, a representação formulada pela empresa prejudicada no certame serviria, então, apenas para auxiliar na formação do conhecimento do órgão licitante, dando-lhe ciência para que, futuramente, caso se quisesse exigir a comprovação do prazo mínimo de experiência de 03 (três) anos, apresentasse as justificativas ténicas como determinado no Acórdão 2870/2018-Plenário do TCU. Ou seja, o resultado alcançado de nada vale aos reais interesses da empresa representante.

O que se destaca como mais interessante do ponto de vista prático é a decisão final acordada pelos Ministros da Segunda Câmara, os quais foram uníssonos quanto ao voto do Min. Relator André de Carvalho.

Em seu voto o Ministro acolheu as orientações da unidade técnica mas entendeu como correto acrescentar a IMPOSSIBILIDADE de renovação do contrato administrativo eis que ficou comprovado nos autos os fortes indícios de que seria possível a contratação de uma proposta financeiramente mais vantajosa para a Administração caso a limitação não tivesse sido fixada no edital, eis que a diferença entre a proposta ofertada pela primeira inabilidade e a empresa declarada vencedora foi de 14,29%.

Nesse sentido o Ministro deu 02 (duas) opções ao órgão: a) não renovar o contrato; e b) buscar a anuência da empresa vencedora para que eventual renovação se dê com uma redução de 14,29% em relação à proposta contratada.

Na prática, acredita-se que o contrato terá que ser encerrado ao final de seu término ordinário pois dificilmente a empresa conseguirá manter as condições de serviços originalmente pactuadas após o primeiro ano, absorvendo a redução indicada. Importante frisar que, nesse caso, não há se falar em aceitação da redução de até 25% do contrato de que trata o §1º do art. 65, da Lei 8.666/93, eis que a redução tem que ser fundamentada e deve ser acompanhada da supressão de quantitativos que, no caso, seriam representados pela redução dos postos de trabalho. O que se está tratando, aqui, é de manter o contrato nos exatos termos, porém, deduzindo o valor para o ano seguinte de maneira linear e objetiva.

A inteligência do julgamento final reside, então, em verdadeira posição de “xeque” dado ao órgão e à empresa contratada que, caso queira continuar executando seus serviços para os próximos anos, até o limite de 60 (sessenta) meses, deverá ofertar valores mais favoráveis à Administração Pública, tendo como base aquele que sua concorrente disse que conseguiria executar.

Por sua vez, considerando o fato de que a renovação do contrato é mera expectativa de direito, a fim de se evitar problemas para os gestores do contrato em relação a uma renovação fora dos limites fixados no acórdão ou que, de algum forma, traga um benefício indevido à empresa contratada, o melhor é que realmente não renove o contrato e realize um novo procedimento licitatório.

O relevante é que do ponto de vista da empresa representante o que se viu foi apenas a frustração de seu direito de ser habilitada e contratada para executar o contrato, pois este era o seu objetivo inicial. De outro lado conseguiu, indiretamente, obstar a prorrogação de um contrato firmado com empresa classificada e habilitada nos termos do edital vigente.

Vejam, assim, que vários são os caminhos que levam uma empresa a ser contratada e a não ser contratada. A análise da melhor estratégia deve ser compartilhada com um especialista para que anteveja os riscos e, com isso, oriente o melhor meio para garantir a satisfação dos direitos da empresa que pretende participar de um determinado certame. No caso em análise, está claro que as chances de participar de maneira escorreita do certame e chegar à contratação ou, ao menos, a não criar ulterior embaraço ao certame teriam sido melhores se tivessem sido praticados alguns atos antes da licitação.

Em suma, a estratégia alinhada ao bom conhecimento das melhores práticas em licitante auxiliam não apenas na criação dos meios adequados à contratação, mas também evitam desgastes desnecessárias com e para a Administração Pública, atendendo aos primados da legalidade, da eficiência, da vinculação ao instrumento convocatório e da efetiva escolha da proposta mais vantajosa.

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